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Refugiados têm risco maior de desenvolver psicose, diz estudo

Elioenai Paes

“É uma condição humanitária trágica e, sem sombra de dúvida é uma condição de saúde extremamente tóxica”, explica especialista em gerenciamento de estresse

Um estudo publicado nesta semana no periódico “British Medical Journal” mostrou que refugiados de guerra têm 66% a mais de risco de desenvolver transtornos psicóticos, incluindo a esquizofrenia, comparados aos migrantes não refugiados da mesma região de origem.

Transtorno pós-traumático, depressão e outros problemas mentais são mais comuns naqueles que tiveram de fugir de seus territórios por causa de risco iminente de morte causado por conflitos.

Refugiados têm feito longas travessias para tentar chegar a países como a Alemanha

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Foto: Reprodução

De acordo com o psicólogo e coordenador do Programa de Avaliação do Estresse do Centro Avançado em Saúde da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Armando Ribeiro, essa é uma típica situação potencializada pelo estresse crônico.

“A situação de perder raízes, nacionalidade, costumes e valores culturais, junto com situações de extrema violência, com risco de morte, violência física e sexual, aumenta o risco de expressão dos genes que guardam um potencial de adoecimento”, explica.

O psicólogo afirma que todas as pessoas têm predisposições a sofrer de alguma doença, as mais diversas. Na esquizofrenia, por exemplo, uma porcentagem de pessoas nasce com um gene que pode ou não se expressar durante a vida. Uma situação de estresse prolongado, conta ele, faz esse gene “acordar” e provocar a doença.

“É essa a chave para o número aumentado de doenças psiquiátricas por pessoas que passam por situação como a dos refugiados”, comenta.

Ribeiro explica que sair do país por vontade própria é uma coisa, mas quando há uma guerra em que é necessário fugir, a situação é outra. “Eles sabem que, se não fugirem, correm grande risco de morte. O que está por trás dessa migração é a busca pela sobrevivência. Em um curto período de tempo, vão passar fome, frio e inseguranças que nós talvez não passaremos durante toda nossa vida”.

As crianças, relata o especialista em gerenciamento do estresse, são mais vulneráveis ao estresse tóxico. “Crianças e idosos têm menor capacidade de resistir a níveis altíssimos de estresse”. O problema que acontece na infância vai provocar consequências na vida adulta.

“Elas serão as primeiras a sofrer infarto e doenças crônicas que podem levar à morte, pois o corpo terá mais dificuldade de metabolizar o hormônio do estresse, pelo fato de ser o nível mais alto que a gente conhece”. Câncer, hipertensão arterial, doenças alérgicas e imunológicas são citadas também como consequência de um estresse forte e prolongado.

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 “É uma condição humanitária trágica e, sem sombra de dúvida é uma condição de saúde extremamente tóxica”, ressalta.

Para Armando, o tratamento psicológico direcionado aos refugiados é fundamental, mas esbarra em problemas como a língua falada e a falta de percepção dos profissionais com a história de vida do paciente. “Eles não sofrem o estresse brasileiro, como por exemplo uma descrença política. O problema deles é a guerra, a fome, e provavelmente eles reagem a estímulos diferentes do nosso comum”.

“Atender quem veio de uma guerra, que viu a família inteira sendo torturada, assassinada, é uma experiência nova”, argumenta.

Além do aparecimento da esquizofrenia, o estresse pós-traumático é uma condição que também está presente na vida dos refugiados.

“É decorrente de uma experiência de estresse intensa, como um sequestro e violência física e sexual. A pessoa terá flashbacks, pesadelos, ideias recorrentes, ansiedade intensa e se esquiva de lugares que lembram o local que aconteceu a violência”, detalha.

A depressão também acomete refugiados, já que o estresse leva a essa doença. “O cortisol [hormônio do estresse] afeta a produção de serotonina do cérebro”, diz. “Afeta uma região emocional, o sistema límbico que vai aumentar a chance de desenvolver esses sintomas”.

Cérebro que sofreu com estresse se recupera, mas demora

De acordo com Armando Ribeiro, o cérebro que sofreu agressões pelo estresse tem, sim, capacidade de se recuperar. Mas isso leva tempo.

“Existe a neuroplasticidade, uma capacidade do cérebro de se reconfigurar perante novas experiências”, teoriza. “A partir do momento em que se está em segurança [longe do estresse], técnicas de meditação e outras ajudam o cérebro a se reconstruir, mas podem levar anos”.

O especialista explica que as mudanças começam a acontecer somente depois de oito semanas, fazendo terapias anti-estresse. Sem tratamento, o dano permanece.

É preciso tratamento e apoio psicológico

O psiquiatra Daniel Sócrates diz que o melhor tratamento é o multidisciplinar, que envolve remédios e também psicoterapia, terapia ocupacional e mudança de estilo de vida. “Para essa população de refugiados que já está tão vulnerável, ao menos o tratamento farmacológico deve ser feito, pois isso já tira a pessoa da crise”,

Medicamentos antipsicóticos e antidepressivos são usados para ajudar no problema. No caso da esquizofrenia, no Brasil há um aumento de 150 mil casos por ano, sem contar refugiados.

Armando ressalta que, para que um tratamento psicológico seja eficaz, o profissional deve ter domínio da língua falada pelo refugiado. “Um bom domínio é fundamental, além de uma vivência naquela realidade, já que a cultura é diferente”, diz.

“Quando falamos de ‘doenças da alma’, dizemos que elas sofrem uma total influência do meio cultural. O que é depressão na Ásia é diferente do que é na América”.

O especialista explica que, na Ásia, os sintomas de depressão são mais somáticos. “Eles vão reclamar que dói a barriga, o fígado, o corpo. Nós, ocidentais, vamos falar que estamos tristes, desanimados, sem energia”. As queixas sobre a mesma doença são diferentes em vários lugares do mundo. E precisam ser entendidas.

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